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Logística Internacional na Pandemia

A palavra caos, assim como seu significado, combinam em todos os sentidos com Comércio Exterior. Sempre foi assim, mas de uns tempos para cá, caos, loucura e até mesmo desespero estão fazendo parte constante do dia a dia do profissional de Comex.

Hoje vamos debater algumas dificuldades e transtornos enfrentados na Logística Internacional nestes tempos de pandemia.

Logística dentro da normalidade

Para entendermos a situação atual é interessante compreendermos o funcionamento da logística em um cenário “normal”, como se a normalidade existisse, mas tudo bem, vamos lá.

Basicamente temos dois modais principais, o aéreo e o marítimo.

 

No aéreo há duas modalidades de voos regulares: (1) o PAX destinado a passageiros e o (2) CAO que são os voos cargueiros. É muito comum o transporte de cargas nos porões dos aviões de passageiros e esta modalidade possui os valores de frete mais interessantes, justamente por esta característica compartilhada. No cenário pré-pandemia a maior parte das cargas sempre foi embarcada em vôos PAX.

 

Já no modal marítimo é possível transportar por meio do (1) FCL (Full Container Load) e do (2) LCL (Less than a Container Load), ou seja, no primeiro o importador dedica um contêiner inteiro para o transporte dedicado de suas mercadorias e no segundo o importador compartilha o espaço do contêiner com outros importadores, utilizando apenas uma fração para sua própria carga.

 

Assim como no avião, o navio possui uma capacidade limitada de carga que pode ser transportada em cada viagem e, além disso, o transporte de qualquer bem de consumo por mar necessita de um contêiner (independentemente do tipo).

 

Tão importante quanto o navio, na logística do modal marítimo a estrutura portuária exerce papel fundamental na fluidez e escoamento de carga. Os terminais possuem espaço dedicado para o recebimento e armazenamento dos contêineres, além de equipamentos e mão de obra qualificada para movimentar o maior número de contêineres possível, dentro de um planejamento rigoroso e detalhado.

 

Pouco lembrado no contexto de transporte internacional, o transporte rodoviário local inicia ou finaliza a cadeia logística, conectando o fornecedor e importador ao porto.

 

Então, para que a logística internacional funcione como música, todos os elementos que compõem cada modal precisam estar funcionando perfeitamente, sendo no marítimo:

  1. Navios com espaço para mais contêineres;
  2. Disponibilidade de contêineres no lugar certo. Precisamos sempre de equipamentos indo e vindo para manter a disponibilidade;
  3. Espaço nos terminais portuários para recebimento de contêineres por terra e por mar;
  4. O conjunto equipe, equipamentos e espaços para a produtividade portuária estar em dia;
  5. E transportadores rodoviários para escoar e alimentar os terminais.

Já no aéreo, temos:

  1. Opções e frequência de vôos;
  2. Espaço e produtividade nos aeroportos;
  3. E transportadores rodoviários para escoar e alimentar os terminais

O que mudou com a pandemia?

A Covid-19 trouxe ao mundo muita incerteza, logo no início da pandemia as empresas se viram mergulhadas em um ambiente de tensão com a redução drástica do consumo. Dentro deste cenário houve um movimento em massa de congelamento das importações, pois ninguém estava disposto a aumentar seus estoques com o mundo em lockdown.

 

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Com o passar das semanas o mundo permaneceu de pé e aos poucos as restrições foram diminuindo e, consequentemente, as pessoas voltaram a consumir até mais do que antes. Diante deste aumento de demanda as empresas precisaram correr atrás do tempo perdido e importar e produzir o suficiente para repor os seus estoques.

 

Para “melhorar” a situação, ironicamente falando, também houve a necessidade de se preparar para as vendas do final de ano, ou seja, não bastasse a corrida para retomar as importações congeladas, foi preciso aumentar a quantidade de processos visando o abastecimento para o período.

Impactos no transporte aéreo

Diante deste cenário vivenciamos uma certa bagunça no setor aéreo. Suspensões de voos em diversas rotas, congestionamento das linhas que permaneciam liberadas e, em razão da ausência de passageiros, a modalidade PAX deixou de ser uma opção, gerando a necessidade de utilizar e adaptar aeronaves que transportavam pessoas para locomoção de cargas. Foram bilhões de USD perdidos por toda indústria do transporte aéreo com menos vôos.

 

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Para locomover cargas é necessário equipamentos e, principalmente, espaço. Como veremos a seguir, a falta de espaço para a movimentação de cargas se tornou um problema não somente no aéreo, mas também no setor marítimo, porque, diante da situação instável nos aeroportos, os importadores viram no transporte marítimo uma solução demorada, se pensar que o transit time (tempo de trânsito da carga de um porto ao outro) é maior, porém mais estável à época.

Impactos no transporte marítimo

Responsável pelo transporte da maior parte dos bens que consumimos, o modal marítimo não sofreu impactos significativos no início da pandemia, na realidade a redução das importações no mundo inteiro, causada pela incerteza do primeiro semestre de 2020, permitiram realizar embarques com tranquilidade.

 

Porém, conforme já falamos acima, a sazonalidade e picos das vendas de final de ano aqueceram o setor de transporte, pois, anualmente para que os produtos estejam disponíveis para a Black Friday e o Natal, o planejamento e as operações de importação se iniciam em meados de julho e agosto (culpa, em partes, do conhecido transit time, já que mesmo “acelerando” o navio as rotas podem durar em média 20, 30, até 40 dias).

 

Como todos sabem, a lei da oferta e procura é implacável e, tomando a Ásia como referência em razão de sua vocação exportadora, registramos um salto no valor do frete de USD1k para mais de USD10k. Hoje já estamos chegando nos USD 12k.

 

Como resultado desta situação, alguns grandes players como Amazon e Walmart chegaram a afretar navios inteiros para suprir suas necessidades. Porém todo este esforço não foi suficiente para sanar o problema, na verdade se analisarmos detalhadamente veremos que contribuiu para o agravamento da questão.

 

Os armadores, que são as empresas donas dos navios, priorizaram as rotas ÁSIA – EUA, onde os importadores pagam fretes maiores, devido ao maior poder aquisitivo, o que gerou um congestionamento de contêineres nos portos da costa Oeste dos EUA.

 

Diferentemente do que acontece no Brasil, onde há inúmeras empresas de transportes especializadas com grandes frotas, nos EUA os fretes rodoviários para contêineres são contratados por meio de um broker, ou seja, os caminhoneiros são autônomos e prestam serviço por meio de um agenciador, portanto cada motorista tem muito mais autonomia sobre si do que motoristas que são funcionários de transportadoras, como acontece no Brasil. O impacto disso é que os motoristas tendem a declinar ou à cobrar bem alto para um transporte dedicado em trabalhos “ruins”. E na pandemia começaram a surgir vários trabalhos “ruins”, como enfrentar filas de mais de 10 horas para entregar ou coletar contêineres nos terminais portuários, seja de importação ou exportação.

 

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Por outro lado, muitos motoristas começaram a migrar de profissão em razão da implementação de rigorosas leis de controle de jornada que reduziram os seus ganhos.

 

Somando todos estes fatos, a falta de caminhões para escoar os contêineres recebidos nos portos que já era ruim, foi ainda agravada. Assim como em um efeito dominó, foram registrados aproximadamente 50 mil contêineres parados no porto de Long Beach, CA, aguardando escoamento de um único importador, a Amazon, sem mencionar o resto…

 

Partindo do entendimento que espaço é fundamental para a movimentação de cargas, os navios começaram a omitir portos ou, em casos extremos, ficaram parados aguardando a criação de espaço para iniciar a sua descarga.

 

Como nada é tão ruim que não possa piorar: a situação dos contêineres Reefer (que são aqueles refrigerados) se tornou extremamente delicada, pois, além de espaço eles exigem uma tomada, limitando ainda mais a disponibilidade nos terminais.

 

Este ciclo de eventos interligados resultou em uma falta generalizada de contêineres durante o segundo semestre de 2020 que ensaiou melhorar, mas voltou a piorar com grande influencia do bloqueio do Canal de Suez, no Egito, complicando ainda mais o escoamento na Europa e antecipando o cenário de caos antes da temporada de pico do ano.

 

Fora casos como o recente surto de Covid nos portos do sul da China que também atrapalharam ainda mais a produtividade dos terminais da região.

 

É um ciclo que demora para se normalizar, pois:

  1. Portos lotados, dificultando o escoamento dos contêineres tanto para os navios quanto para terra
  2. O que aumenta as omissões de navios em portos
  3. Que por sua vez agrava a falta de contêineres disponíveis para novos embarques

 

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Atualmente, como estão as coisas?

Nos EUA há opções de transporte aéreo, mas as tarifas permanecem elevadas quando comparadas com o cenário anterior. No setor marítimo há espaço nas embarcações e geralmente também há contêineres disponíveis, mas faltam caminhões para fazer o transporte porto x planta. Muitos bookings são “rolados” por falta de caminhões.

 

Na Ásia há uma certa estabilidade na pandemia, mas ainda há surtos de Covid-19 que resultam na implementação de restrições e inspeções sanitárias, que por sua vez se transformam em gargalos aumentando o congestionamento dos portos. O trimestre Julho, Agosto e Setembro poderá ser o mais desafiador de toda a pandemia, pois coincide com o pico sazonal de cargas dos EUA.

 

Quando falamos de Europa, a situação é muito semelhante às mencionadas anteriormente e já existem notificações de stop booking para o mês de julho, ou seja, companhias aéreas e armadores não estão aceitando agendamentos de embarque pois não conseguem absorver a demanda.

 

De modo geral a tendência de melhora está no longo prazo, (nem pense em ser otimista antes do carnaval do ano que vem) mas obviamente todas as coisas pioram antes de melhorar: como consequência do aumento das exportações da China para abastecimento da Black Friday e Natal (já outra vez). Há muitos contêineres represados nos EUA, provavelmente repetiremos o mesmo ciclo e mais uma vez a lei da oferta e procura fará elevar o custo do frete internacional – neste ponto não custa lembrar que o frete (provavelmente) será elevado com base no parâmetro atual, ou seja, vai ficar ainda mais caro. Já temos notícias de fretes Ásia x EUA acima de USD 15 k e para Europa acima de USD 17 k. Quem acha que aqui vai ser diferente?

O que devo fazer?

Há muitos fatores alheios à vontade do importador, de modo que nos resta o controle logístico das operações; em outras palavras, conhecer todas as etapas do processo para identificar medidas preventivas e trabalhar na antecipação.

 

Também é importante agregar parceiros de confiança, que trabalham com transparência e oferecem opções e soluções honestas. Considerando as tendências e o histórico do que já experenciamos, talvez aumentar estoque seja uma alternativa viável, assim como a consolidação de cargas no armazém do agente.

 

De qualquer maneira, não há uma receita 100% infalível, ainda mais em se tratando de Comércio Exterior, mas planejamento, conhecimento e boas parcerias podem contribuir para um processo mais fluído e eficaz, diante da complexidade e dinamismo dos fatos ocorridos.

 

Ainda está pensativo sobre os impactos da pandemia na logística?

Ainda com dúvidas ou pensando em alguma alternativa fora da caixa para reduzir os impactos negativos?

Compartilhe comigo aqui, afinal, todo dia fica cada vez mais claro que não se faz Comex sozinho.

Simbooooooraaaaaaa vencer esse período tão difícil!